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"Não é o bastante ver que um jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas escondidas nele?"
(Douglas Adams, 1952-2001)

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Natureza (Amazônia e Capitalismo e Reducionismo)

Fossilização da Amazônia

A Amazônia impõe-se a hercúlea tarefa de reordenar o mundo. Todavia, a distinção entre Amazônia e mundo, como fruto da reflexão que se perde nas linhas do tempo, e, hoje, já não pode servir de parâmetro para escrever a realidade, sobretudo quando a humanidade, como sempre, caminha para um novo período de sua História, tem que ser superada.

A distinção se firma no período do Renascimento por ocasião da discussão filosófica em busca da reafirmação do “homem como medida de todas as coisas” (Protágoras, séc. V a.C.). E se dá pela dicotomia mente X corpo que assume a primazia na intelectualidade, vindo a repercutir no mundo contemporâneo, estabelecendo a divergência entre idealismo X materialismo, com a Igreja Católica sendo, por um lado, e o Capitalismo, por outro, respectivamente, as correntes defensoras de cada princípio.


A partir disso, o homem passou a ser entendido como que apartado da Natureza e esta estranho àquele, facilitando a manipulação de ambos pelas elites dessas correntes, cada qual a seu tempo. Para a Igreja Católica, o homem é desprovido de autonomia, destinado a purgar seus pecados na Terra a espera da redenção no Juízo Final. Já no capitalismo, “tudo se torna mercadoria” (Karl Marx), ocorrendo o mesmo ao homem, por um processo de alienação (ibidem). O poema “Eu, etiqueta”, de Carlos Drummond de Andrade, é bastante conclusivo quanto a isto.


Essa dicotomia se aprofundou e reduziu o homem a um ser egoísta. Tese amplamente aceita na sociedade capitalista devido sua ideologia que necessita do homem egoísta para, na disputa em satisfazer seu egoísmo, obter lucro máximo como objetivo. Aceitação que conta com o beneplácito da ciência, por exemplo, pela voz de Richard Dawkins quando diz que “todo ser vivo é egoísta”.


A ideologia em questão não se sustenta, pois é de uma contradição terrível quando pretende negar a luta de classes, enfatizada por Karl Marx, mas a mesma luta é imposta a diferentes categorias de trabalhadores como disputa para aumentar a produção e consequentemente o lucro. Já a idéia de Dawkins é refutável quando se observa a ausência do egoísmo em crianças recém-nascidas e até certa idade e em idosos com elevada idade. Outro exemplo é a cadeia alimentar onde a necessidade - e não o egoísmo - é que mantém o equilíbrio. Aliás, Nietzsche, em seu aforismo: “o que está pronto, acabado quer morrer”, sugere que a abnegação sempre prevalece. Mas isso é escamoteado por aqueles incentivados financeiramente para fazer ciência parcial, diga-se. Ou seja, o que é necessidade passa a ser distorcido (corrompido) para consolidar o reducionismo.


Contudo, o reducionismo é percebido em todos os ramos do conhecimento que, além de já fragmentado, se reduz ainda mais quando cada profissão tenta afirmar o que é o homem. É comum ler algo como: você é o que come (nutricionista); é o que administra (administrador); é o que defende (causídico), é o que escreve (escritor); é o que veste (estilista de moda) etc. Ou seja, a fragmentação do conhecimento contribui para a redução do homem. Porém, há exceção como demonstrou o advogado Sérgio Couto ao comentar em artigo recente, em O Liberal, as mentiras da profissão, das quais destaco esta: “o que não está nos autos não existe no mundo”; ou seja: o mundo não pode ser reduzido aos “autos”.


Essa fragmentação deriva do taylorismo (expressão teórica do processo de divisão do trabalho levado a efeito por Frederick Taylor, 1856-1915) e é intensificada pelo padrão da linha de produção fordista (Henry Ford) para produtos industrializados, que se estende para o mundo através da Divisão Internacional do Trabalho (DIT). Neste sentido, o reducionismo preza pela formação tecnicista em grande maioria na sociedade, produzindo mão-de-obra “qualificada”, que, em disputa velada com outras áreas técnicas, mantém a ordem capitalista como sistema organizacional da sociedade ao contrário da formação humanista que almeja uma cosmovisão.


Daí que, o desenvolvimento imposto a países periféricos, como o Brasil, por exemplo, que tem na Amazônia, pela sua biodiversidade, a referência para uma nova era, é algo anacrônico, portanto reducionista; pois além de impedir o usufruto, de maneira peculiar, da riqueza material que possui, dificulta também a prática do humanismo com a cosmovisão.


Há, contudo, resistência a essa imposição. Dentre algumas obras de autores da região, Verde Vagomundo, de Benedicto Monteiro, por exemplo, demonstra não apenas a dimensão humana, mas, também, a sintonia homem/Amazônia/mundo, ensejando uma nova era. Outro trabalho, enriquecendo essa proposta é apresentado pelo professor João Batista do Nascimento (www.cultura.ufpa.br/matematica/?pagina=jbn), quando observa que o ensino de matemática seria de fácil aprendizagem utilizando figuras geométricas da arte Marajoara. E é algo que compete à humanidade tentar compreender e seguir.


Mas tudo isso é violentamente escamoteado pelo reducionismo educacional existente no país, que fica cada vez mais patente quando da imposição da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHBM), como única capaz de produzir energia, segundo a intelectualidade fossilizada pelo reducionismo financeiro - e, portanto, senil -, que não concebe a visão de produção compartilhada entre matrizes energéticas presentes naturalmente na Amazônia, pois esta - assim como a humanidade, ainda que não queira perceber – sempre existiu com duas fontes primárias de energia, que são: o sol e os alimentos.


Portanto, o reducionismo praticado como educação evita a superação da dicotomia entre Amazônia e mundo, impedindo que o povo amazônida se perceba como Natureza, numa simbiose que mostra o potencial e dimensão de ambos (dimensão tão bem captada por Shakespeare no célebre conflito pessoal “Ser ou não ser?”, que reconhece a opção como prerrogativa da inteligência), fazendo disso o exemplo a ser seguido pelo resto do mundo, é a fossilização que o capitalismo pretende impor como reflexo de sua cultura fetichista, reificada e alienante (Karl Marx) à Amazônia – coisa que não é possível aos da espécie irracional (sem cultura, portanto) que não reduzem a Vida ao capital.


Autor: Luiz Mário de Melo e Silva
Coord. do Fórum em Defesa do Meio Ambiente de Icoaraci (FDMAI).
e-mail: luizmario_silva@yahoo.com.br

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Eu, Etiqueta
(Carlos Drummond de Andrade)

Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrina me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.

Um comentário:

  1. Paulo Guilherme Pinheiro5 de junho de 2010 às 14:15

    Excelente texto, porém algumas observações:
    Richard Dawkins, no livro “O Gene Egoísta”, trata de evolução molecular; de como os genes podem comandar suas “máquinas de sobrevivência” (as células, os tecidos, as colônias, os corpos, as populações, as comunidades, os ecossistemas, a biosfera). Acredito que a confusão existente se deu pelo uso do termo “Egoísta”, que é um conceito usualmente usado para classificar o comportamento humano, para evidenciar o processo de Seleção Natural.
    No trecho “... Já a idéia de Dawkins é refutável quando se observa a ausência do egoísmo em crianças recém-nascidas e até certa idade e em idosos com elevada idade.”, na verdade, estas ideias reforçam ainda mais a força dos genes: se as crianças (“maquinas de sobrevivência”) nasceram foi porque os genes que elas carregam foram “egoísta” em algum momento de sua história de vida; e os genes dos “idosos de elevada idade” funcionariam como o oposto desta última; bem como também a cadeia alimentar.
    Não nego que se vivemos em mundo capitalista, qualquer ideia pode ser interpretada segundo os seus credos. Depende de quem divulga e como se divulga.
    Por fim, algumas palavras de Dawkins do prefácio do referido livro:
    "(...)Este livro deveria ser lido quase como se fosse ficção científica. Ele destina-se a agradar a imaginação. Mas não é ficção científica: é Ciência. Seja ou não um lugar-comum, "mais estranho do que ficção" exprime exatamente como me sinto com relação à verdade. Somos máquinas de sobrevivência – veículos robô programados cegamente para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes. Esta é uma verdade que ainda me enche de surpresa. Embora a conheça há anos, parece que nunca me acostumo completamente a ela. Um de meus desejos é ter algum sucesso em surpreender a outros.(...)"

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