Amazônia
A contribuição dos gregos antigos para a compreensão de parte da vida com sua mitologia, onde estão simbolizadas as forças da natureza, através de deuses e a relação deste como os humanos, representadas também pelos diálogos, conflitos e castigos, que levam à reflexão, é algo que não se esgota. Ao contrário, tem seu correspondente em outros mitos que em nada ficam a dever.
O mito de Ícaro, talvez seja o que melhor represente a realidade amazônica nestes tempos de valorização da natureza, pois, nele, a liberdade é o objetivo, ainda que, a prisão, representada pela morte, seja o desfecho – coisa que não ocorre na Amazônia.
Conta a lenda que, tentando fugir da ilha de Creta, Ícaro, com a ajuda do pai usa asas confeccionadas em pena e cera. Porém, é informado para não se aproximar do sol que derreteria a cera ou próximo ao mar, que umedeceria as penas, tornando-as pesadas, dificultando seu objetivo. Inebriado pela sensação de voar livremente esquece o conselho e tem a cera derretida, caindo para a morte no mar da região que receberia seu nome.
A lição que fica é que a liberdade é perigosa? Ou que todos estamos condenados à prisão, sobretudo pela morte?
Na Amazônia o mito em questão tende a outro sentido. É a proximidade do sol e de tudo que constitui a natureza que dá mais vida, e daí a liberdade. Aliás, se há uma linguagem única para a natureza e o ser humano esta é a liberdade que para aquela se configura na beleza da inelutável força da evolução na infindável relação entre todos seus elementos e para este, algo ainda conflituoso, mas nem por isso indesejável.
No artigo “Água no coração” (portal Yahoo!/Brasil, em 01.12.10), do jornalista Lúcio Flávio Pinto, isso é esplendidamente retratado quando diz “De uma coisa não tenho dúvida: sou um homem das águas, um ser anfíbio”. Ora, para o amazônida da gema isso não é novo; basta observar o ribeirinho em contato com o rio, a terra, a floresta e o saber resultante disso para ver e sentir quanto o “icarismo” redunda em equívoco. A novidade é a declaração para o mundo.
Se no mito voar em direção ao sol ou próximo à água é perigoso, na amazônia, (com seu primitivismo prático, característica do mito original), ao contrário, é a aproximação da luz do conhecimento, simbolizado pelo sol, a geradora do entendimento de que o retorno permanente (sisifismo à parte) ao colo da natureza – terra ou água - é inevitável para encontrar a liberdade, no sentido em que se acha na natureza se admitirmos que o ser humano é sua condensação, embora o individuo o seja em mínima escala a se ampliar no coletivo, com a dinâmica das relações.
Outro excelente exemplo é descrito no poema “Papo com Iara”, de Álvaro Jorge, com seu regionalismo. Nele, o violeiro recusa o convite para acompanhar Iara em seu rio de amor, talvez temendo sua profundidade, logo, a prisão nele.
Ora, o amor nunca é prisão, muito menos pela morte. E numa analogia ao voo perigoso de Ícaro é, ao contrário, liberdade, vida, pois nunca se soube que o amor matou alguém de fome ou de sede etc, aliás, quem ama quer morrer dele e por ele. Os amantes de Verona (Romeu e Julieta, de Shakespeare) e Jesus Cristo, os primeiros, num amor individual, o segundo, pela humanidade, num amor coletivo são, respectivamente, exemplos de que o amor não é prisão.
Podemos deduzir, então, que parte da diferença do mundo amazônico em relação à outros mundos está no fato de sua história iniciar sem deus, e portanto materialista, oposto dos gregos antigos, que, talvez, por carência de elementos naturais – coisa que na Amazônia, por sua biodiversidade, é infinito e riquíssimo para contribuir em sua dinâmica - lancem mão da idéia de divino para diversificar e escrever sua história.
Essa materialidade, com fluxo e refluxo permanente, criando e recriando e tornando a criar novamente, num tempo diferente ao das grandes e médias cidades, para quem o tempo é regido pela velocidade das máquinas, com o único objetivo de lucro, é outro detalhe importantíssimo – aliás, como os demais – que em seu conjunto no mundo amazônico envolve a pessoa amazônica, fazendo com que ela se descubra e redescubra, ad aeternum, tirando desse processo cada vez mais vida, deixando de lado outros objetivos e, por isso, tende a ser maldosamente confundido como indolência a gerar povo indolente.
Daí que, a Amazônia, com tudo o que lhe diz respeito e sem dever nada a ninguém, tem tudo para contribuir na construção de um mundo melhor. Sobretudo quando a civilização elitista, gerada de mitos que se pretendem como os únicos a determinar a história da humanidade, parece não mais comportar valores para um mundo em permanente mudança.
Autor: Luiz Mário de Melo e Silva
luizmario_silva@yahoo.com.br
Coord. do Fórum em Defesa do Meio Ambiente de Icoaraci (FDMAI)
Icoaraci – Belém – Pará.
Olho p’ras lágrimas indianas
Que vão se despedindo
Do meu medo de amar...
...
- Vô cuntigo inão mãe d’agua, cá em cima toco meu violão.
...
- Ah! Moço bunito, num dispreza canto meu inão.
...
- Cá em cima du rio vejo as istrelas e o luar.
...
- Ah! Moço bunito, lá dibaixo também há.
...
- Cá em cima du rio num tem solidão inão.
...
- Ah! Moço bunito, lá dibaixo também num tem inão.
...
- Cá em cima sou livre pra avoar.
...
- Ah! Moço bunito, teu medo num ié di mim inão; teu medo moço bunito ié di merguiar nu fundo du amar.
Icoaraci – Belém – Pará.
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‘PAPO COM IARA’
(Alvaro Cordeiro)
Que vão se despedindo
Do meu medo de amar...
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- Vô cuntigo inão mãe d’agua, cá em cima toco meu violão.
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- Ah! Moço bunito, num dispreza canto meu inão.
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- Cá em cima du rio vejo as istrelas e o luar.
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- Ah! Moço bunito, lá dibaixo também há.
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- Cá em cima du rio num tem solidão inão.
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- Ah! Moço bunito, lá dibaixo também num tem inão.
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- Cá em cima sou livre pra avoar.
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- Ah! Moço bunito, teu medo num ié di mim inão; teu medo moço bunito ié di merguiar nu fundo du amar.