A Amazônia e a besta
Por Luiz Mário de Melo e Silva
Coord. do Fórum em Defesa do Meio Ambiente de Icoaraci (FDMAI)
luizmario_silva@yahoo.com.br
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Os homens sempre procuraram se orientar por algo que irradiasse poder para que, a partir daí, exercessem o controle sobre o mundo.
No início, o mito fornecia as condições para o mando a quem, com certa habilidade, incutisse o medo nos demais, ainda que sua finalidade não fosse essa. E embora já não estejamos mais no tempo em que ele era usado para explicar o que ocorria, muito do que subsiste na sociedade se fundamenta nele (mito) para manter-se como o centro, como ocorre à elite, por exemplo.
E, a menos que a elite haja abdicado de sua pretensão de ser o centro entre os universais, a atitude do norueguês Anders Behring Breivik aponta para essa condição mitológica.
Certamente que sua atitude não deve ser encarada como algo isolado. Antes, porém, tem que ser pensada como a reivindicação de algum suposto direito que se esvaiu. Direito este, de ser o centro irradiador de cultura, como há muito tempo se pretendem os europeus. Logo, o ato de Anders tende a se parecer como a tentativa de resgate de um poder perdido.
Dois fatores se apresentam como justificativas para o ocorrido: primeiro, a crise capitalista; o segundo, a questão ecológica.
Todavia, antes da exposição dos fatores é necessário lembrar que ambos são de fundo material e como somos todos materialistas, a retirada dessa base leva à derrocada sem que haja algo sobrenatural a provocá-la, como pode ocorrer a algum ilusionista ao tentar empurrar goela abaixo o motivo pelo qual agiu A.B. Breivik.
No primeiro caso, se usada a metáfora das competições anuais de futebol, onde há ascensão e descenso de clubes, fica claro que a crise capitalista desloca a Europa de uma categoria superior para uma posição inferior na tabela de colocação.
No segundo, utilizando das observações da física quântica, para a qual não há um centro fixo, e talvez nem haja centro (e aqui é necessário compreender que ciência é linguagem refinada da natureza), a natureza, por sua dinâmica, dilui toda idéia de centro, contra a qual lutam os ocidentais a partir da cultura européia.
Daí que, a conjugação desses fatores tem provocado o desespero do velho continente e o perigo iminente de queda jamais será pacificamente aceito. Até porque, sendo nórdico, como escreveu Behring, logo, elite européia, como sugere, não se resignará à fatos que fogem a seu controle E como tal, a atitude do norueguês certamente conta com a simpatia de muitos líderes políticos do continente, pois o que está em jogo é a sua sobrevivência, ainda que assentada no mito da superioridade da cultura – o que já deveria ter sido revisto, pois, como exposto anteriormente, o mundo não está estagnado. Ou não?
Aliás, se faz necessário uma revisão geral da História quando a questão ecológica (a natureza) se impõe, porque, como bem colocou Karl Marx, ao dizer que num primeiro momento a História se apresenta com tragédia, num segundo, como farsa, a reivindicação sugerida na atitude do norueguês atenta contra a inteligência. Sim, porque durante muito tempo o distanciamento total concernente à importância da natureza para o surgimento do mundo foi a tônica, algo que já não é mais possível hoje, haja vista que a evolução havida permitiu o surgimento da inteligência que é o mais sublime subproduto da natureza, e contra a qual (a inteligência) não há quem ou o que se oponha.
E tratar o multiculturalismo como a causa da suposta decadência da Europa enquanto referência mundial, pretendendo que o mundo volte atrás e negue o “trabalho” da natureza no que diz respeito à evolução do mais simples ao mais complexo, já que, a diversidade cultural é análoga à biodiversidade, sendo, portanto, impossível impedir a expansão e surgimento de um novo pensar e ver o mundo como propõe a cultura a partir das mais diversas nuances, é tentar negar mais uma vez a importância da natureza, através da pretensão da superioridade de sua cultura, como sempre fez a elite que se pretende o centro do mundo e que, a todo custo, repudia a idéia de vir a ser apeada de sua mitológica condição.
Esse temor só se justifica pela negação das infinitas relações existentes entre os inúmeros elementos da natureza a gerar o novo, como também ocorre com a cultura que semelhante àquela tem somente o adiante e nunca o anterior – coisa que a elite trata como um monólito por tentar manter seus costumes e, por meio deles, suas benesses.
Nesse sentido, a Amazônia se faz um manancial de saberes e coisas que, embora se apresente, por comparação, confusa por imposição cultural elitista que despreza o popular, como se primitivo fosse, se contrapõe à besta por ser a natureza materializada e, por isso, traz em seu bojo todo vigor da transformação que descentraliza e unifica permanente todos os eventos presentes, com conseqüências inimagináveis, para daí continuar ad aeternum como a vida. Abarcando, inclusive, a quem tenta tutelá-la com seu discurso falido, como é o norueguês.
À insustentável condição elitista diante da natureza cabe a pertinente pergunta: se houver uma elite na natureza, qual seria ela? É a vida que está em pé de igualdade tanto para o mais simples quanto para o mais complexos dos organismos, a resposta. Logo, não há um centro discriminador na natureza.
Assim, o ato da besta loira tem que ser enquadrado como crime de lesa-humanidade e esclarecido para o mundo se não quisermos ver repetir outra carnificina em escala mundial, além, claro, da involução da humanidade, porque, do contrário, sua atitude seria uma tentativa de rejuvenescimento da elite – essa açougueira contumaz -, que, por isso, se pretende eterna. E, se assim for, ela (a besta) merecerá, então, um monumento em homenagem pelo feito.